A Nova Rota da Seda NÃO vai baratear seu celular!

Um dos grandes assuntos da geopolítica atual é a Iniciativa do Cinturão e Rota do governo chinês, também chamado de “A Nova Rota da Seda” que tem sido tema de muitos debates pelo mundo afora pelos mais variados motivos.

Um deles é sobre a parte do consumo de produtos importados, principalmente eletrônicos como robôs aspiradores, televisões, automóveis e, claro, smartphones. Isso vai baratear os produtos? Vamos entender melhor essa iniciativa e o porquê de, na minha visão, ela não ser a solução definitiva para o problema dos preços.

O que é a Nova Rota da Seda?

O nome é uma referência à antiga Rota da Seda, uma rede de vias comerciais que, da dinastia Han a 1453 d.C., conectava a China à Europa. Mais do que um meio de transporte de mercadorias, ela teve um papel fundamental no intercâmbio cultural e no desenvolvimento de diversas sociedades.

A iniciativa moderna se chama One Belt One Road, ou “Um Cinturão, Uma Rota”, que simboliza a expansão comercial por terra e mar. Porém, “A Nova Rota da Seda” parece mais adequado por mostrar a real grandeza dessa iniciativa: conectar a China ao mundo todo.

 

Desde 2013, o projeto já investiu mais de US$ 3 trilhões na construção de infraestruturas como portos, ferrovias, aeroportos e parques industriais em cerca de 150 países. Um dos destaques é a ferrovia Yiwu–Madri, que em 2014 criou uma rota de 13 mil quilômetros entre a China e a Espanha, transportando mais de 660 mil contêineres.

A ferrovia Yiwu–Madri (Imagem: Yiwu Market Agent)

Controvérsias e o Brasil

Apesar dos benefícios, o projeto gera controvérsias. Financiada pelo Banco de Desenvolvimento da China, a iniciativa criou uma dívida de aproximadamente US$ 300 bilhões para os países contratantes. Ao mesmo tempo, o governo de Xi Jinping, em 2022, perdoou 23 empréstimos sem juros fornecidos a 17 nações africanas, além de destinar 10 bilhões de dólares de suas reservas no FMI a países da região.

Essa movimentação chinesa incomodou os Estados Unidos, seu principal rival econômico, que alega segundas intenções na iniciativa. Ao invés de o foco ser o desenvolvimento dos países parceiros, seria a ampliação da influência geopolítica do China no resto do mundo.

Um caso recente dessa tensão aconteceu no começo de 2025, quando o Panamá se tornou um dos aderentes da iniciativa. Isso trouxe descontentamento por parte de Donald Trump, que afirmou que retomaria o controle sob o Canal do Panamá por o governo local estar fazendo concessões demais a empresas chinesas. Pouco tempo depois, o presidente José Raúl Mulino anunciou a saída do projeto.

Até então, o Brasil não estava se envolvendo com o assunto. Enquanto a maioria dos países da América do Sul já tinham fechado com a China, as negociações com o nosso não avançavam, mesmo com um gigante interesse do governo de Xi Jinping.

Já somos o maior parceiro comercial da China desde 2009, integramos o mesmo bloco econômico e somos um país historicamente neutro. Fechar um acordo como esse com os chineses fortaleceria ainda mais a relação do Brasil com a futura maior economia do mundo, ao mesmo tempo que poderia gerar incômodos comerciais desnecessários com outras nações, como o próprio Estados Unidos.

Com toda a situação do Panamá, o panorama mudou. No começo de julho, o Brasil e a China assinaram um memorando para a produção de estudos que visam a criação de um corredor ferroviário bioceânico, que ligará a costa do Peru com a do nosso país. O intuito é facilitar o transporte de produtos como soja, milho, algodão e minério de ferro, aliviando a sobrecarga dos portos do Sul e Sudeste.

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Lula da Silva e Xi Jinping fechando acordo entre Brasil e China (Imagem: AP Newsroom)

A ferrovia ligará o Porto de Chancay, obra peruana realizada com investimento d’A Nova Rota da Seda, passaria pelo Acre, Rondônia e terminaria no Centro-Oeste, especificamente na cidade de Lucas do Rio Verde. Ela será, então, integrada com a malha que cruza o país até o porto de Ilhéus, na Bahia.

Uma das questões mais importantes para o projeto é exatamente relacionado ao traçado proposto que atravessa áreas sensíveis da floresta amazônica e comunidades tradicionais. O governo teria que buscar uma alternativa ou montar um licenciamento ambiental rigoroso — que muito provavelmente não será respeitado, mesmo com os órgãos fiscalizadores em cima.

O impacto no seu bolso

Agora, a pergunta que não quer calar: os produtos chineses ficarão mais baratos? As compras internacionais serão entregues mais rápido?

Para a maioria das suas compras em plataformas como Shopee ou Temu, a resposta é não. Elas são transportadas por voos internacionais, e não por navios ou trens. Portanto, a Nova Rota da Seda não afetará o tempo de entrega. E, mesmo se chegasse, ficaria presa em Curitiba por semanas, então não mudaria muita coisa.

Agora, sobre os preços. Um requerimento para as licitações que envolvem o investimento chinês é envolver empresas chinesas nas negociações, o que tem sido motivo de algumas polêmicas por valores exorbitantes, cancelamento de projetos e disputas políticas. Já nosso caso traz como benefício a aproximação de empresas chinesas, estatais ou não, para o nosso mercado.

Com o interesse delas em estabelecer filiais e fábricas no Brasil, teríamos um impacto bem positivo para a nossa economia, gerando empregos e até localizando preços. Esse foi o caso da BYD, que se estabeleceu em 2013, cresceu e hoje é a líder na comercialização de veículos elétricos no país.

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A BYD inaugurou na Bahia sua segunda maior fábrica do mundo (Imagem: BYD)

Recentemente, ela se envolveu em uma polêmica com outras montadoras que atuam aqui no Brasil. A BYD não fabrica seus carros no Brasil, ela importa as peças e os monta aqui. Isso reflete em um preço mais barato no produto final, entretanto pula etapas da produção cruciais para a economia do setor, pelo menos de acordo com as marcas tradicionais já estabelecidas por aqui há décadas.

Há semelhanças com o mercado de celulares chineses. Afirmar que há fábricas de montagem no Brasil de empresas como Xiaomi, Realme e Jovi não é uma mentira, mas é quase que uma ilusão. Como isso é uma tangente muito longa para esse vídeo, vamos falar mais sobre isso em outro conteúdo aqui no TecMundo em breve.

Para termos um real impacto, essas companhias chinesas precisam entrar de cabeça no nosso país, inicialmente com montagem e, posteriormente, com fabricação completa. Nessa primeira fase, a Nova Rota da Seda seria uma maneira mais rápida e até barata de trazer os insumos, possibilitando uma redução de preços nos produtos oficialmente vendidos aqui.

A prova disso é a Samsung que, possui fábricas tanto em Campinas quanto na Zona Franca de Manaus, e vende seus aparelhos a preços um pouco mais camaradas. O Galaxy Fold 7 custa aproximadamente R$ 13.000, o que é longe de ser acessível, mas comparado com os R$ 20 mil do Honor Magic V3 e os mais de R$ 30 mil do Huawei Mate XT, a situação é um pouco mais confortável.

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É caro, mas poderia ser pior (Imagem: Samsung)

Isso porque eu decidi comparar os top de linha dobráveis, a diferença entre os intermediários é ainda maior e torna pouco vantajoso optar pelos modelos de marcas chinesas vendidos oficialmente por aqui.

Contudo, não é preciso esperar a ferrovia ser concluída para ver uma mudança. A solução para o problema dos preços está na Remessa Conforme. O programa, que formalizou o comércio eletrônico internacional em 2023, fez com que os consumidores pagassem quase o dobro por suas compras, resultando em uma queda nas receitas dos Correios e um prejuízo de R$ 4,3 bilhões em 2025.

Com a queda do dólar, que recentemente bateu R$ 5,30 pela primeira vez em um ano, seria uma grande oportunidade de incentivar o consumo, aumentar a demanda dos Correios e pressionar o varejo brasileiro a apresentar preços mais competitivos, já que estavam nadando de braçada desde a instauração da Remessa Conforme.

Então, como pode ver, A Nova Rota da Seda não é a solução para todos os problemas. Há grande potencial a longo prazo neste acordo entre Brasil e China para diversos setores da economia, mas a solução para nossos problemas do presente estão aqui no presente.

 

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